sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Conversação

Olhava para minha boca enquanto eu falava. Nunca gostei que fizessem isso. Era como uma agressão. Era como não me levar a sério. Como querer me beijar de súbito, me invadir.

E era como se colhesse cada palavra de minha boca. Se aproximava de mim, e lia as frases que deslizavam de minha língua. Percebi sua dificuldade pela fala, levemente embargada, e passei a dizer as coisas de forma cada vez mais explicada, flexionando bem os lábios, para que me entendesse melhor.

E era engraçada a maneira como seus olhos saíam dos meus e desciam para minha boca. Me lembrava aquele outro rapaz, o que eu amava. Eu costumava dizer que seu olhar descia e subia escadas, suavemente, varando toda a presença, sondando o ser. Um olhar tímido, de muito recato – e porque não dizer - , elegância. Eu o adorava. Em meio ao burburinho geral, aproximava o ouvido de minha boca, baixava os olhos, os cílios lindos se fechavam levemente, "à mi-clos” - como dizem os franceses -, e me davam a ilusão de que assim ele conseguiria ouvir minha voz.

Essas lembranças do passado atravessaram minha mente, e trouxeram à tona, mais uma vez, a dor do amor mal curado. Tentei afastá-las, como fingir que uma ferida que dói não está doendo. Foi quando me deparei com ele, que me olhava, ainda. “Vou descer na próxima. Até breve, então?” “Até!”, respondi. Me beijou no rosto, e se foi.