Caíste. E tua cabeça partiu-se em dois pedaços. Observei, de relance, tua queda, e meu coração ficou atemorizado com a simples ideia de que tua vida poderia ter acabado. Mas apesar do acidente, continuei sentada, tomando meu café, observando que todas iam ao teu encontro. Nessa época eu pensava que sabias de meus sentimentos; por isso o receio de demonstrar meu desespero por teu estado tomou a frente. Não poderia ter deixado transparecer minha simpatia por ti mais do que já havia feito.
Mas, dois dias depois, estavas completamente restabelecido. Quando fui visitar-te, estavas com uma perna apoiada sobre a outra, muito feliz, vestido com uma daquelas camisas brancas que são tua marca inconfundível. Não fumavas. Duas ou três jovens te visitavam, e estavam interessadas em saber como te sentias. Sorrias muito, e tua morenice e teus cabelos acinzentados contrastavam com a alvura de tua camisa. Eu cheguei. Chamei teu nome, tu me viste e, tenho certeza, não te alegraste de imediato com minha presença. Talvez para ser um pouco amistoso, sorriu pra mim, e fez gestos para que eu me aproximasse. Sentei ao teu lado, e comecei a ouvir-te falar sobre tudo e todos. Disseste que metade de tudo, ali, existia graças ao meu tio. Surpreendi-me; pensava que não conhecias mais ninguém de minha família. Levantaste, com um pouco de dificuldade, e me convidaste para seguir-te. Apresentaste-me teu restaurante, de térreo e primeiro andar, inteiro de vidro, muitíssimo iluminado. Senti-me numa estufa; as colunas eram pintadas de verde. Moravas naquele mesmo prédio, e abriste a porta de tua casa para mim. Tudo era muito peculiar, e nada se parecia contigo. Havia três berços. Falaste-me de tuas filhas que estavam por chegar, e eu me senti envergonhada por estar ali, escancarando tua casa e tua vida.
Saímos. Agora íamos dar uma volta por todo o restaurante. Paravas em algumas mesas, cumprimentavas os clientes, brincavas com alguns que te conheciam bem, sorrias. Eu te acompanhava, e nenhuma palavra que dizias a eles me interessava, porque nenhuma era dita a mim. Só os assuntos compartilhados entre nós dois me pareciam suficientemente atraentes e dignos de minha atenção.
Num momento, meus ciúmes por ti vieram até a garganta. Indaguei-te do porquê de amares a tantas, e te perguntei se, para ti, eu era diferente de todas. Falaste que todas te beijavam, te abraçavam, e só eu fugia de ti. Disseste que eu era a única que, quando pressentia tua aproximação, se esquivava, e lembrava de todo o abismo que nos separa. Tive de dizer: “tu chegaste cedo demais, meu anjo, e eu, tão tarde”!
Confessei que minha fuga era verdade, e lembrei-te de que a responsabilidade colocava nossos pés no chão e nos trazia de volta à Terra. Descemos as escadas. Propuseste que saíssemos e passeássemos um pouco pela cidade. Fomos a uma banca próxima. A senhora que vendia os livros - teus amados livros - conversou um pouco contigo, enquanto eu aproveitei para fechar os olhos e tentar segurar minha intensa vontade de chorar. Falaste que podíamos alugar uma bicicleta e sair pelas ruas, olhando os lugares. Não me lembrei de dizer-te que nunca aprendi a andar de bicicleta. Por que tua presença sempre me inebria? Quando estou contigo, me embriago de ti, e não posso ouvir mais nenhuma palavra que não seja a tua. Aceitei o convite. Foste em direção ao local onde se alugavam as bicicletas. Em minhas costas, senti a luz do sol e a chegada do triste momento de deixar-te. Meus olhos, rútilos de saudade, te observavam distanciar-se. Foi quando acordei.