domingo, 26 de junho de 2011

Sem título (26 jun 2011)

Quando a vi, notei que algo havia mudado irremediavelmente. A beleza continuava intacta, uma diferença aqui, outra ali, mas o enigma eram os olhos. Os olhos de loucura. E pior, de morte. Perguntei sobre banalidades, evitando tocar no assunto principal: ela. Ela, sim, me interessava.

Nunca vou me esquecer de quando a vi pela primeira vez. Foi no aeroporto. Eu partia, ela chegava. O porte mignon chamou minha atenção de primeira; sempre tive uma queda por mulheres assim. Não esboçava um sorriso. Tinha o rosto muito sério, o corpo ereto, braços cruzados que seguravam uma bolsa da cor da pele dela. Estava com um homem, muito sem graça – como acontece com todos os homens que acompanham uma mulher notável pelo charme. Um nulo.

Segui-os até o café. Quando sinto esse gênero de atração as minhas pernas me comandam, não consigo controlar minhas ações. Um momento em que o homem distanciou-se foi suficiente para que eu me aproximasse. Falei alguma coisa sobre um dos anéis que usava. Como quem não quer nada. Pronto! Fisguei sua atenção.

Seguiram-se alguns encontros furtivos. Eu e ela tínhamos em comum o fato de vivermos em pontes aéreas. Alguns elogios ao seu sorriso lindo – sim, ele agora aparecia pra mim; ela se compadecera. Até que um dia, na hora da despedida, ela encostou o rosto ao meu e não resisti. Nos beijamos como se nunca houvesse acontecido com nenhum dos dois antes.

Desaparecemos mutuamente. Mudei de ponte aérea por questões do meu tedioso trabalho; nunca mais nos cruzamos. Vez ou outra me lembrava daqueles encontros. Resolvi tentar a ponte aérea de antigamente, ver se a reencontrava.

E a encontrei. Conversamos sobre coisas idiotas; era como se nos houvéssemos visto ontem. Estava na mesma mesa do café. Bebia whisky. “Não sabia que você bebia”, eu disse. “Você não me conhece”, ela replicou. Virou o lindo par de olhos em minha direção: “Tentei suicídio. Obviamente não funcionou. Agora vivo o castigo de viver”. “Por que isso? A vida tem seus momentos ruins, mas vale a pena”. “Não me encaixo aqui”, respondeu.

Acendeu um cigarro. “Aqui é proibido fumar”, eu disse. “Que se dane”. Fumou languidamente. Bebeu o último gole de whisky. Levantou-se, tomou meu rosto entre as mãos e me beijou. “Fique bem, ok?”, disse, no tom conselheiro de uma mãe que previne o filho que sai para uma aventura arriscada.

À noite

Se perguntava quando perdeu o sono

A angústia chegou sem aviso

e instalou-se para sempre

Agora a noite chega e o peito

sente a dor sufocante

Sobe até a garganta, e quando o corpo se deita

é como se se entregasse a um ritual

de asfixia lenta

Melhor ficar à janela

escutar o silêncio da cidade

que dorme

E se questionar como é que isso

tudo se deu