quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Duas semanas de reclusão

Uma lagartixa passou veloz pelo alto do muro. Era o primeiro ser vivente que via em duas semanas de reclusão. Lembrou-se de que há vida lá fora. Sim, há vida e um mundo infinito de possibilidades, mas o tédio e a descrença são maiores. Bem maiores que o infinito do mundo. E a solidão. Já não há gente que queira ficar por perto. Quando não se tem nada, nada se vale, é o que diziam as duras (porém sábias) palavras de um ex-amigo seu. Quem quer se aproximar de alguém tão pobre e tão vil?

Descobriu o sentido da frase de Nelson Rodrigues: "O dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro". Amor verdadeiro. Uma ideia utópica, criação de algum bobo iludido por algo ou alguém. Não existe amor capaz de salvá-lo, só o amor divino. O humano pereceu. Todo. Já não há mais mãe. Nem pai. As únicas fontes de afeição sincera se esgotaram com a morte.

Todo o ânimo de mudança se esvaiu. Só restou um profundo nada, um vazio do tamanho do universo que o engole de uma só vez. A voz já não tem nenhum som. É inútil pedir ajuda. Sua dor não encontra mais guarida na literatura, nem na música, nem nos vícios. O sentimento de apatia e mecanização dos sentimentos é total. Toda expressão de afeto soa falsa e artificialmente criada, mesmo que o coração desminta. Mesmo que jure emoção verdadeira.

Carece de paixões. Quem perde a paixão perde a vida, a gana de agir, a vontade de transformar. Pior que qualquer morte é a apatia, que o submete à morte em pleno fôlego vivente. Ah, não há nada pior que o afogamento por desesperança. É a única morte da qual nunca se pode voltar.